sexta-feira, 6 de abril de 2012

~26~



Mariana deixou-se dormitar no velho sofá, embalada pela carta de Vasco. Não só a sabia de cor, como conseguia visualizar cada segundo em que foi escrita: as pausas, a respiração, a forma de pegar na caneta. Registara na memória todos os gestos de Vasco e ansiava por regressar, voltar para ele e para Tomás.

Vasco cedeu o lugar-janela a Mariana e acomodou-se no de coxia, certificando-se de que ela estivesse bem instalada. O seu cuidado era natural, nada de exageros e transmitia uma estranha segurança a Mariana, que se sentia bem [quase feliz] a seu lado. Vasco continuava sendo o mesmo de véspera: sabia manter uma agradável conversa e, pouco a pouco, Mariana respondia com mais do que monossílabos, revelando um inteligente sentido de humor. Vasco sentia-se feliz pelo progresso, mas manteve-se constante, temendo a reacção de Mariana.

Após a ligeira refeição, em que ambos apenas tomaram chá, Vasco consultou discretamente o relógio, constatando que estava breve a hora da separação. Este gesto não passou despercebido a Mariana, deduzindo que Vasco tivesse compromisso ou alguém à espera… voltou-se para admirar as nuvens através da pequena janela, como que regressando à realidade, em sintonia com a descida do avião. Vasco não fez nenhum comentário sobre o novo semblante ao seu lado.

A aterragem realizou-se sem qualquer dificuldade, marcando alguma tristeza em ambos, que dissimularam. Na manga, entre outros passageiros e bagagem, o ombro de Mariana quase tocava no braço de Vasco, ambos em silêncio.
A saída do aeroporto, Vasco arriscou:
- Tens alguém á tua espera? Precisas de boleia? Queres um táxi?
Sentiu-se um adolescente inseguro, temendo a resposta:
- Não, obrigada, não preciso de nada. Tenho o carro ali. – e Mariana indicou o estacionamento distante.
Vasco prontificou-se a acompanhá-la, mas Mariana rejeitou com firmeza e ele considerou que o melhor seria não insistir:
- Bom resto de fim de semana… e até segunda-feira – tocou-lhe no ombro do casaco, apertando-o levemente quando Mariana respondeu, sorrindo:
- Igualmente… e obrigada pela companhia.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

~25~



Vasco fechou os olhos , continuando a ver a foto de ambos, tão sorridentes. Tomás, cuja atenção estava concentrada na imagem de Mariana, centrou-se agora nos olhos fechados de Vasco, como que procurando ler os seus pensamentos. Vasco afundou o rosto na almofada e, por um leve instante, a angústia da ausência feriu-lhe o peito, em pleno. Todas as memórias estavam marcadas a ferro e fogo, os momentos vividos eram o seu bálsamo, as recordações funcionavam como oxigénio.

Acariciou a cabeça de Tomás, que, por um segundo, fechou os olhos, sentido como nunca a falta de Mariana, dos serões passados ao seu colo, acariciando-lhe o pêlo, enquanto a sua voz melodiosa envolvia a sala, em conversas partilhadas. Estes serões eram o reino de Vasco, Mariana e Tomás.

Envolto em memórias, recordou aquela viagem “juntos”, sob o olhar algo
intrigado de outros passageiros, alguns dos quais já tinham manifestado surpresa ao ver Mariana e Vasco tomarem o pequeno-almoço no hotel, envoltos em à-vontade e alguma [já] cumplicidade. Tal a colega, também a tripulação, que não era a habitual, presumiu que eram um casal que regressava a casa naquela manhã de sábado. Vasco escondeu um sorriso e Mariana mostrou-se desinteressada “que pensassem o que quisessem, ora”. Vasco aprendia a “lê-la”, não através das poucas palavras que proferia, mas pela expressividade do olhar, pela postura corporal… pela autenticidade.
Vasco recordou, num flash, o dia, meses após este dia, em que perguntou a Mariana o porquê de tão poucas palavras, que respondeu pausadamente: “A minha voz é uma arma profissional. Dependo dela. Fora dessa área, uso-a com moderação e… nem sempre tenho nada de importante para dizer”, soltando uma gargalhada. Vasco apertou-a nos seus braços, beijou-lhe a fronte e murmurou: “Tu és tão especial”.

domingo, 1 de abril de 2012

~24~



Após a saída do hotel, todos os passageiros antes retidos foram conduzidos ao aeroporto, onde as condições permitiam agora o almejado regresso. Vasco estranhou que Mariana não fizesse nem recebesse nenhum telefone particular, dada a situação de atraso em que se encontravam. Mariana, absorta na presença acolhedora de Vasco, não se lembro desse detalhe.

Fazendo o check in juntos, a hospedeira considerou-os um casal, marcando os lugares juntos. Com os talões de embarque na mão, Vasco olhou nos olhos de Mariana e afirmou, trocista:

- Está visto que vais aturar-me mais um tempinho.

A resposta foi um sorriso esclarecedor e dirigiram-se juntos para a porta de embarque, onde tantas vezes Vasco tinha, de longe, observado o comportamento discreto daquela jovem rapariga que agora caminhava ao seu lado.